Agentes não encontraram os corpos de 36 desaparecidos após abordagem dos militares, que respondem a outros nove inquéritos
Ex-comandante em Formosa, o tenente-coronel Ricardo Rocha deixou a cadeia comemorando com colegas
Após nove meses de prisão, 19 policiais militares goianos acusados de integrar um grupo de extermínio ganharam a liberdade, graças a decisões da Justiça estadual. Os últimos seis suspeitos detidos em um batalhão da corporação em Goiânia deixaram o cárcere na noite da última terça-feira. Eles serão reintegrados à instituição, mas ficarão fazendo apenas trabalhos administrativos, até o fim do inquérito conduzido pela Polícia Federal. No entanto, a soltura de todos não significa inocência. Além desse processo, integrantes do bando respondem ainda a pelo menos nove ações instauradas em quatro cidades do estado, envolvendo execuções sumárias, formação de quadrilha e ocultação de cadáver.
Os PMs conseguiram o benefício graças à dificuldade dos federais em encontrar os corpos de 36 desaparecidos após contato com os militares. Sumiços que deram início a investigações no Ministério Público de Goiás (MPGO), que por sua vez pediu ajuda à Polícia Federal, por causa da falta de ações das polícias Civil e Militar do estado. Os federais precisam localizar os restos mortais das vítimas para terminar o inquérito e denunciar os culpados à Justiça. Mas havia um prazo para a prisão dos acusados, sem a denúncia formal, que se expirou. O tempo máximo era de 90 dias. Alguns ficaram mais justamente por responder a outras ações, que possibilitaram pedidos de renovação da detenção provisória.
Os PMs conseguiram o benefício graças à dificuldade dos federais em encontrar os corpos de 36 desaparecidos após contato com os militares. Sumiços que deram início a investigações no Ministério Público de Goiás (MPGO), que por sua vez pediu ajuda à Polícia Federal, por causa da falta de ações das polícias Civil e Militar do estado. Os federais precisam localizar os restos mortais das vítimas para terminar o inquérito e denunciar os culpados à Justiça. Mas havia um prazo para a prisão dos acusados, sem a denúncia formal, que se expirou. O tempo máximo era de 90 dias. Alguns ficaram mais justamente por responder a outras ações, que possibilitaram pedidos de renovação da detenção provisória.
A libertação dos acusados coincide com a retomada da política de linha dura anunciada pelo novo comandante da PM goiana, coronel Edson Costa. Em sua posse, na última segunda-feira, ele afirmou que retomará práticas suspensas há nove meses, desde a prisão de 19 PMs, entre eles o então subcomandante da corporação, coronel Carlos Cézar Macário. As medidas incluem o retorno às ruas dos policiais do Batalhão de Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam), com uniformes e carros pretos. A instituição criará um batalhão velado, para fazer o policiamento sem identificação.E foi sob escolta de uma equipe da Rotam que um dos ex-comandantes da tropa, e principal acusado de liderar o suposto esquadrão da morte goiano, deixou o prédio da PM onde estava detido, na noite de terça-feira. O tenente-coronel Ricardo Rocha Batista saiu disparando da cadeia improvisada na Academia de Polícia da PM. “Tenho processo de morte contra bandidos, ladrões de bancos, criminosos, foragidos. Nunca fugi da responsabilidade. Ainda tenho 10 anos de trabalho na PM e nunca fui condenado. Saio já com o intuito de trabalhar”, afirmou.
Sob o comando de Ricardo Rocha, a Rotam matou como nunca em Goiânia. De 6 de março de 2003 a 15 de maio de 2005, houve 117 homicídios na capital estadual cuja autoria é atribuída a PMs, a maioria da Rotam. Das 117 vítimas, 48,7% (57 pessoas) não tinham ficha criminal. Outras 60 (51,3%) eram foragidas da Justiça ou acusadas de crimes. Rocha acumula ainda denúncias de execuções sumárias de suspeitos em Rio Verde e Formosa, onde comandou os batalhões locais (leia Memória).
MedoEnquanto os acusados e seus colegas de farda comemoram a decisão da Justiça goiana, parentes de desaparecidos após abordagem policial, denunciantes e testemunhas sentem medo. Alguns, ao ponto de deixar o estado, como o padre Geraldo Labarrère Nascimento, 70 anos. Ele saiu de Goiânia há dois meses, após várias ameaças de morte. Em 21 anos na capital do estado, ele denunciou, entre outros crimes, execuções sumárias atribuídas aos PMs presos pela PF.
O padre Geraldo presidia a Casa da Juventude, no Setor Universitário de Goiânia. Com doações, a entidade realiza trabalhos com crianças e adolescentes de baixa renda e atende familiares de vítimas da violência policial. Em 28 de abril de 2006, fundou o Comitê goiano pelo fim da violência policial. As ameaças sofridas por defensores dos direitos humanos em Goiás têm preocupado a Igreja Católica.
Desde a Operação Sexto Mandamento, realizada pela PF, as ameaças se intensificaram e levaram uma comissão da Igreja Católica a cobrar do governador Marconi Perillo (PSDB) ações em favor da segurança dos alvos, em 30 de agosto. Perillo prometeu encaminhar os nomes e as situações de ameaça à Secretaria de Segurança Pública. Desde então, nenhuma medida foi adotada para proteger as pessoas ameaçadas. Agora, a PM retoma a política de linha dura nas ruas de Goiás, implantada pela Rotam nos anos 1990 e 2000. Ontem, ninguém da Secretaria de Justiça ou da PM quis dar entrevista. Nenhum integrante das instituições também informou se algo foi feito para encontrar os corpos dos desaparecidos após abordagem policial.
Para o promotor de Justiça Bernardo Boclin Borges, coordenador do Apoio Criminal do MPGO, as punições aos militares acusados de integrar um grupo de extermínio são questão de tempo. “Eles (os suspeitos) vão dizer que são heróis, não são bandidos, mas nada vai nos intimidar. Temos vários processos em várias comarcas. Somente em Goiânia, são três ações com réus diferentes. Vai demorar, mas todos irão a júri popular, como ocorreu no caso Bertinho”, afirmou, se referindo ao carroceiro José Roberto Correia Leite.
Bertinho foi torturado e assassinado após ser levado por uma equipe do serviço secreto da PM, no Novo Gama (GO), em 1999. Os PMs queriam arrancar dele informações sobre o paradeiro de um suposto criminoso, o qual o carroceiro não tinha intimidade. Após matarem a vítima, os militares esconderam o corpo. Os envolvidos na barbárie acabaram condenados a 17 anos de prisão. Mas cumpriram apenas um terço da pena, toda em um quartel da corporação, e voltaram à ativa com patentes maiores. Na apuração do assassinato do carroceiro, agentes civis identificaram 66 corpos de pessoas executadas nas mesmas condições. Um clássico caso de grupo de extermínio, como o agora investigado pela PF.
Denúncias de matança em série
O Correio Braziliense iniciou, em 11 de maio de 2009, uma série de reportagens sobre a ação de grupos de extermínio no Entorno do DF. As primeiras matérias denunciavam a responsabilidade de policiais militares em pelo menos 20% dos homicídios registrados em Formosa, município goiano distante 70km de Brasília. Em 2008, os PMs admitiram ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas. Outros cinco casos ocorreram no segundo semestre de 2007. Na maioria dos registros, os militares alegaram confrontos com bandidos armados. Mas, grande parte das vítimas não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na cabeça. Em quase nenhuma suposta troca de tiros houve moradores como testemunhas.
O aumento no número de mortes no município com a chegada do então major Ricardo Rocha Batista ao batalhão de Formosa, em 2007, chamou a atenção do Ministério Público goiano e da Polícia Civil, que abriram investigações sigilosas na capital do estado. Antes de Formosa, o major esteve em Rio Verde (GO), onde é acusado de executar cinco condenados que haviam fugido da cadeia e de matar com cinco tiros um homem desarmado.
Há dois anos, a Superintendência da Polícia Federal em Goiás começou a apurar cerca de 50 mortes em confrontos com a Polícia Militar em Goiânia e no Entorno de Brasília. Em 15 de fevereiro de 2011, policiais federais prenderam 19 PMs acusados de integrar um esquadrão da morte. Entre eles, Ricardo Rocha. Após a operação, batizada de Sexto Mandamento, o Correio publicou outra série, mostrando o medo dos parentes das vítimas e das testemunhas. Agora, mesmo em liberdade, todos os PMs devem responder pelos crimes de homicídio qualificado em atividades típicas de grupo de extermínio, formação de quadrilha, tortura qualificada, tráfico de influência, falso testemunho, ocultação de cadáver e ameaças.
Sob o comando de Ricardo Rocha, a Rotam matou como nunca em Goiânia. De 6 de março de 2003 a 15 de maio de 2005, houve 117 homicídios na capital estadual cuja autoria é atribuída a PMs, a maioria da Rotam. Das 117 vítimas, 48,7% (57 pessoas) não tinham ficha criminal. Outras 60 (51,3%) eram foragidas da Justiça ou acusadas de crimes. Rocha acumula ainda denúncias de execuções sumárias de suspeitos em Rio Verde e Formosa, onde comandou os batalhões locais (leia Memória).
MedoEnquanto os acusados e seus colegas de farda comemoram a decisão da Justiça goiana, parentes de desaparecidos após abordagem policial, denunciantes e testemunhas sentem medo. Alguns, ao ponto de deixar o estado, como o padre Geraldo Labarrère Nascimento, 70 anos. Ele saiu de Goiânia há dois meses, após várias ameaças de morte. Em 21 anos na capital do estado, ele denunciou, entre outros crimes, execuções sumárias atribuídas aos PMs presos pela PF.
O padre Geraldo presidia a Casa da Juventude, no Setor Universitário de Goiânia. Com doações, a entidade realiza trabalhos com crianças e adolescentes de baixa renda e atende familiares de vítimas da violência policial. Em 28 de abril de 2006, fundou o Comitê goiano pelo fim da violência policial. As ameaças sofridas por defensores dos direitos humanos em Goiás têm preocupado a Igreja Católica.
Desde a Operação Sexto Mandamento, realizada pela PF, as ameaças se intensificaram e levaram uma comissão da Igreja Católica a cobrar do governador Marconi Perillo (PSDB) ações em favor da segurança dos alvos, em 30 de agosto. Perillo prometeu encaminhar os nomes e as situações de ameaça à Secretaria de Segurança Pública. Desde então, nenhuma medida foi adotada para proteger as pessoas ameaçadas. Agora, a PM retoma a política de linha dura nas ruas de Goiás, implantada pela Rotam nos anos 1990 e 2000. Ontem, ninguém da Secretaria de Justiça ou da PM quis dar entrevista. Nenhum integrante das instituições também informou se algo foi feito para encontrar os corpos dos desaparecidos após abordagem policial.
Para o promotor de Justiça Bernardo Boclin Borges, coordenador do Apoio Criminal do MPGO, as punições aos militares acusados de integrar um grupo de extermínio são questão de tempo. “Eles (os suspeitos) vão dizer que são heróis, não são bandidos, mas nada vai nos intimidar. Temos vários processos em várias comarcas. Somente em Goiânia, são três ações com réus diferentes. Vai demorar, mas todos irão a júri popular, como ocorreu no caso Bertinho”, afirmou, se referindo ao carroceiro José Roberto Correia Leite.
Bertinho foi torturado e assassinado após ser levado por uma equipe do serviço secreto da PM, no Novo Gama (GO), em 1999. Os PMs queriam arrancar dele informações sobre o paradeiro de um suposto criminoso, o qual o carroceiro não tinha intimidade. Após matarem a vítima, os militares esconderam o corpo. Os envolvidos na barbárie acabaram condenados a 17 anos de prisão. Mas cumpriram apenas um terço da pena, toda em um quartel da corporação, e voltaram à ativa com patentes maiores. Na apuração do assassinato do carroceiro, agentes civis identificaram 66 corpos de pessoas executadas nas mesmas condições. Um clássico caso de grupo de extermínio, como o agora investigado pela PF.
Denúncias de matança em série
O Correio Braziliense iniciou, em 11 de maio de 2009, uma série de reportagens sobre a ação de grupos de extermínio no Entorno do DF. As primeiras matérias denunciavam a responsabilidade de policiais militares em pelo menos 20% dos homicídios registrados em Formosa, município goiano distante 70km de Brasília. Em 2008, os PMs admitiram ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas. Outros cinco casos ocorreram no segundo semestre de 2007. Na maioria dos registros, os militares alegaram confrontos com bandidos armados. Mas, grande parte das vítimas não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na cabeça. Em quase nenhuma suposta troca de tiros houve moradores como testemunhas.
O aumento no número de mortes no município com a chegada do então major Ricardo Rocha Batista ao batalhão de Formosa, em 2007, chamou a atenção do Ministério Público goiano e da Polícia Civil, que abriram investigações sigilosas na capital do estado. Antes de Formosa, o major esteve em Rio Verde (GO), onde é acusado de executar cinco condenados que haviam fugido da cadeia e de matar com cinco tiros um homem desarmado.
Há dois anos, a Superintendência da Polícia Federal em Goiás começou a apurar cerca de 50 mortes em confrontos com a Polícia Militar em Goiânia e no Entorno de Brasília. Em 15 de fevereiro de 2011, policiais federais prenderam 19 PMs acusados de integrar um esquadrão da morte. Entre eles, Ricardo Rocha. Após a operação, batizada de Sexto Mandamento, o Correio publicou outra série, mostrando o medo dos parentes das vítimas e das testemunhas. Agora, mesmo em liberdade, todos os PMs devem responder pelos crimes de homicídio qualificado em atividades típicas de grupo de extermínio, formação de quadrilha, tortura qualificada, tráfico de influência, falso testemunho, ocultação de cadáver e ameaças.
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